20 anos de fotografia de natureza: a primeira grande aventura
- Leonardo Merçon
- 23 de set.
- 5 min de leitura
Um sonho plantado (fotografado) na restinga
O ano era 2004. Eu ainda era estudante de design na UFES, cursando o que então se chamava “Desenho Industrial/Programação Visual”. Vivia dividido entre dois mundos: um deles era o da tecnologia, onde eu já tinha formação técnica pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo em Processamento de Dados e trabalhava construindo websites. O outro era o da natureza – que pulsava em mim desde a infância, entre idas ao mar, surf, trilhas e aventuras com os amigos.
Fotos: Leonardo Merçon
Fotos: Yhuri Salvador e Pepe Silva.
Na época, ganhava R$ 400 por mês como estagiário. Esse valor, embora pequeno, foi suficiente para um sonho começar a tomar forma. Depois de meses emprestando câmeras da faculdade ou de amigos (analógicas, pois era o que estava disponível na época),consegui juntar dois salários e comprar minha primeira câmera fotográfica: uma Canon PowerShot A80. Quatro megapixels. Dois 2 de zoom. Para muitos, pouco. Para mim, o bastante para mudar tudo.

Comecei a fotografar tudo ao meu redor. Como era apaixonado por surfar, aproveitava para registrar os surfistas na água, paisagens e os detalhes discretos da restinga no Parque Estadual Paulo César Vinha. Era a natureza me chamando de volta – não mais como cenário, mas como missão. Ali, percebi que a fotografia podia ir além do registro. Podia ser ferramenta. E eu queria aprender a usá-la do jeito certo.
Registros realizados com o primeiro equipamento fotográfico | Fotos: Leonardo Merçon.
Na Universidade, tive a oportunidade de fazer algumas disciplinas de fotografia, as vezes como ouvinte em outros cursos, com professores queridos, como a Gorete Dadalto, Simone Guimarães, Alexandre Curtis e Rodrigo Rossoni. Cada um deles me presenteou com um pouquinho de seu conhecimento que guardo até hoje.
O dia em que “chutei o balde”
Lembro até hoje, o dia no qual saí para fazer a primeira foto com o objetivo de montar um portfólio de fotografia de natureza. Apesar de já ter feito muitas fotos de animais antes, ainda era como um hobby. No dia 17 de Agosto de 2004, levantei cedo e fui até o Terminal Aquaviário de Vitória, no centro da cidade, fotografar as aves marinhas que ficavam por lá. Davam rasantes próximos à mureta que separava o calçadão da maré. A única oportunidade que eu teria de fotografar aves, com minha pequena câmera compacta com 2x de zoom. Tenho a foto guardada até hoje, como minha primeira foto “profissional”... ou melhor, de quando decidi me tornar fotógrafo de natureza por profissão.

Na hora de escolher meu projeto de iniciação científica, duas ideias disputavam espaço: uma era revolucionária, criar o primeiro site de cursos online do mundo – algo que talvez, hoje, tivesse me deixado milionário, afinal, não tenho conhecimento de que já existia algo assim na época. Até comecei a fazer o esboço e pensar como venderia os cursos de outras pessoas de forma online, via cartão de crédito, ganhando uma comissão. Pode parecer algo óbvio, mas na época, esse tipo de coisa era novidade. O outro caminho era fazer o que eu amava: fotografia. Escolhi a segunda. E, mesmo não sendo o caminho mais fácil ou promissor financeiramente, nunca me arrependi.
Comecei a estudar o trabalho de grandes mestres: Luiz Cláudio Marigo, Araquém Alcântara, Sebastião Salgado. Fotógrafos capixabas de renome também abriram suas portas para conversar comigo. André Alves e Humberto Capai foram super gentis em receber um menino apenas começando sua jornada e abrirem não só suas casas, mas também compartilhar as próprias experiências e conhecimentos comigo. Por isso, sou eternamente grato e tento sempre fazer o mesmo para novos jovens fotógrafos, entendendo a importância do que outrora fizeram por mim.
Entendi que o poder da fotografia ia além da estética. Estava no que você faz com ela. Como designer, isso fez muito sentido. Eu não queria só tirar fotos bonitas. As fotos não eram um fim, mas um meio. Queria que minhas imagens servissem à natureza.
O tema da iniciação científica foi “crítica genética aplicada à fotografia”, no qual estudei o processo dos grandes mestres da fotografia, orientado pela professora Gorete Dadalto. Mas o grande marco viria com o meu projeto final de graduação: um livro de fotografia de natureza. Escolhi esse tema porque já fotografava muito no Parque Estadual Paulo César Vinha, onde surfava com os amigos e, depois, trocava a prancha pela câmera para explorar os bichinhos da areia. Foi daí que surgiu a idéia do livro “Últimos Refúgios: Parque Estadual Paulo Cesar Vinha”.
Enfrentei resistência. Muitos professores não achavam que fotografia de natureza fosse um caminho, e outros achavam que um livro de um tema tão pouco explorado seria uma tarefa grande demais para um projeto de graduação. Mas eu estava determinado em fazer com que esses anos na universidade fossem úteis para meu sonho profissional. Procurei professores que me apoiassem nesse sonho e encontrei apoio da professora Sandra Medeiros, tida como rigorosa por outros alunos, mas que acreditou no meu sonho. Ela exigia muito – especialmente na escrita. E sou muito grato por isso. Foi com sua orientação que aprendi a transformar palavras em aliadas de minhas imagens. Não me considero um bom escritor, mas acredito que consigo passar a mensagem. Obrigado por acreditar, professora!
A câmera dos sonhos
Foi iniciando o projeto fotográfico para o livro, após algumas incursões, que veio a grande questão: meu equipamento não era suficiente. Eu já tinha extraído o máximo da minha pequena câmera compacta (lembrando que celulares não eram uma realidade na época). Precisava dar um passo adiante. Mas como? Meus pais, classe média baixa, sempre me deram tudo o que podiam. Sempre tivemos uma vida digna e sem emergências financeiras graves, porém, uma câmera profissional estava fora de cogitação.
Até que um amigo contou que ia fazer um work experience nos Estados Unidos. Trabalharia em uma estação de esqui. E eu pensei: se ele pode ir para juntar dinheiro, eu também posso. Meu objetivo era simples (e ousado): comprar uma recém lançada Nikon D80 com a lente do kit. Fiz os cálculos e decidi: era viável.
A saga do equipamento fotográfico dos sonhos
Antes de viajar, tomei uma decisão corajosa (ou louca): queria trabalhar com fotografia, mesmo nos EUA. Mandei 300 e-mails para empresas da área. Cinco responderam. Mas tinha um problema: todas queriam entrevista por telefone. E meu inglês era… péssimo.
Na primeira ligação, não entendi nada. Na segunda, comecei a perceber padrões. Anotei tudo. Na terceira, já tinha um rascunho do que diziam. Na quarta, consegui usar minhas anotações, utilizei um programa de tradução para me ajudar (na época não existiam tradutores online) e quase fui contratado – mas não sabia esquiar... essa era a última pergunta.
Na quinta tentativa, um ponto de virada: o entrevistador me perguntou se eu sabia esquiar ou fazer snowboard. Em vez de dizer “não”, respondi que era surfista e era bom em esportes radicais. Não menti – só traduzi meu espírito aventureiro.
Fui contratado.
Pedi emprestado aos meus pais o suficiente para cobrir a passagem, primeiras semanas de estadia e alimentação até o primeiro pagamento.
Tranquei a faculdade e embarquei na maior aventura da minha vida.
Partida para o desconhecido
No final de 2006, me despedi da família no aeroporto de Vitória. Estava com 25 anos. Ia morar sozinho num país estrangeiro, sem dominar a língua, para realizar um sonho. Não fazia ideia de tudo o que viria pela frente – mas estava pronto. Sempre estou!
Essa foi minha primeira grande viagem como fotógrafo de natureza. A jornada que me trouxe até aqui, 20 anos depois. E essa história ainda não acabou…
Se você curtiu essa primeira parte da minha jornada, te convido a me acompanhar nas redes sociais para continuar viajando comigo pelas próximas histórias. Ainda tem muita estrada pela frente, muitas imagens, encontros e descobertas que vivi — e sigo vivendo — ao redor do mundo nessa busca contínua por mostrar a beleza da natureza e lutar por sua conservação. Me segue por lá e vem junto nessa aventura que começou com uma câmera simples e um sonho teimoso, e que até hoje me move por florestas, montanhas e oceanos em busca de um propósito maior.
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